sexta-feira, 22 de maio de 2009

Conto das Antigas


Miriam era uma mulher bonita. Alta, cachos negros, olhos vivos, desenho forte, confiante. Médica. Casada com Joaquim, um novo carcamano. Alguns anos mais jovem que sua esposa, mas parecia mais velho bem o dobro da idade que lhe davam. Estava sempre apegado `as suas idéias velhas, conservadoras, cheias de pó e juízo. Encontrava tempo para o seu piano e para suas reclamações costumeiras. Quase nada estava bom o dia todo – fora a sua música. Para Joaquim, os lugares bons eram sempre os mesmos – os mesmos velhos conhecidos e baratos!
Catarina tinha amizade pelos dois. Eram um casal que ninguém sabia se eram ou não. Ela era muito sociável. Estava sempre na maioria das festas e proporcionava também essas reuniões com os amigos sempre que dava espaço a sua agenda. Viajava muito, sorria bastante, gostava de cores – e essas lhe davam o sabor e o humor do dia. A fase era os tons de beringela. Espiritualizada e desejando sempre querer ser melhor, Catarina observava todas as coisas sempre, para obter a sabedoria que todos os dias pedia a Deus. Queria ser uma das 10 do harém de Salomão, a preferida do Rei. Catarina tinha muitos pretendentes, mas procurava alguém que de fato, lhe tocasse o coração. Estava disposta a ser do seu marido. Rogava a Deus pelo seu José. E esperava com alegria todos os dias, pois, cada dia que passava era sim um dia a menos de espera. Pele branca, cabelos escuros, olhos cor de mel. Assim era a Catarina, sempre a sorrir e a dar festas.
O fato é que sim, ela já tinha se apaixonado algumas vezes, e com isso, já tinha se lastimado até a enfermidade tantas vezes se apaixonou. Joaquim estava lá e fazia parte dessas feridas. Ele foi quem a alertou sobre várias coisas sobre a vida quando ainda não sabia nada. Catarina fora noiva por 12 anos de Julião, o filho do prefeito da cidade, de familia conhecida e renomada. Julião era sim o genro que toda a sogra gostaria de ter. E não era pouca a cobrança dos familiares para que se casassem. Mas já não estava tão feliz assim, quando conheceu Joaquim. Era músico, poeta, filosofo e antropólogo. E dentre as coisas das quais era especialista, era em compreender a alma de Catarina. Disse-lhe certa vez, que as flores tem cheiro, cada uma o seu; que era lindo ouvir os pássaros, pois não havia um que fosse desafinado;que ser quem se é, é bom e que uma vida medíocre não vale a pena. A cada encontro, Catarina se questionava sobre a sua vida e pedia a Deus que lhe concedesse uma vida diferente. Queria saber como era o cheiro das flores e queria poder entender o canto dos pássaros. Pedia a Deus que lhe permitisse ser quem era, e disse também que não importava a cadeira de primeira-dama. Queria era viver. O tempo passava entre sair com os amigos casados, a ir a igreja, e a brigar com Joaquim. Cada vez que ele lhe dizia o que se passava em seu coração, eles brigavam. Joaquim a levava a conhecer seu mundo. Ensinou-lhe a respeito de música, de cinema alternativo, da poesia das coisas, das suas coisas velhas... e Catarina foi aos poucos amando estar ali – pois, como ele, também era de raizes fundas. Joaquim falou-lhe de amor, e mais ainda, mostrou-lhe o amor. Mostrou e deu a ela seu coração – cru, nu. Era aquilo mesmo. Uma paixão de tudo e de si mesmo o que ele tinha a oferecer a ela – todo ele. Todo. Catarina não entendia dessas coisas e achou que estava louca, pois apaixonou-se perdidamente por Joaquim e nao sabia o que era. Pela primeira vez na vida viu-se sem dominio algum de si.
Enquanto Catarina queimava em febre por Joaquim, Miriam pedia-lhe auxilio pois sentia seu marido diferente em casa. Mais agressivo talvez, ou mais doce – quem vai saber? Catarina aconselhava da melhor forma a amiga. Queria que eles se acertassem, queria ficar bem com seu noivo e queria que tudo voltasse ao normal. Mas parece que quanto mais queria, menos acontecia. Numa ocasião, estavam os três com amigos em um campo de golfe. Joaquim pediu 2 minutos da atenção de Catarina, para dizer-lhe que pretendia se separar de Miriam. Catarina, de pronto, disse que isso era insano. Que tudo ia ficar bem, que insistisse em reconquistar sua esposa. Ele disse então, que não era um conselho o que buscava, mas apenas estava dizendo o que ia fazer. Uma semana depois, Catarina recebe uma correspondência de Miriam, pedindo-lhe que conversasse com seu marido, pois tinha pedido a separação. Miriam pediu-lhe em nome da amizade e pelo amor de Deus. Catarina disse que ia rezar, apenas para confortar a amiga. Mas sabia da posição de Joaquim – e resolveu não falar.
Miriam mais parecia uma figura ao lado de Joaquim. Alguém que servia para acompanhá-lo nos eventos sociais. Não davam as mãos, não se beijavam, não se olhavam. Era como se fossem dois irmãos. Miriam tinha, inclusive, certo receio de falar ao marido. Receio de seu gênio. Receio de sempre piorar. Por isso, era sempre obediente e se mostrava sempre contente, disposta.
Passaram-se os anos. Catarina e Julião romperam o noivado, ela mudou-se da cidade e foi conhecer o mundo. Nunca mais soube do casal. Certa data, recebeu um convite de Carolina, uma amiga muito estimada e de longa data. Era o baile de 15 anos de sua filha, Sofia. Catarina estava lá. Foi linda, para homenagear a amiga. Estava de longo bordô, luvas longas, usava prata e brilhantes. Foi com seu irmão, Ricardo. Lá estavam também Miriam e Joaquim. Ele mudou. Os cabelos cresceram. Mas Miriam, nada. Continuava com a mesma tez que tinha aos 20 anos. Então os olhares se cruzaram. Catarina tentou evitar esse momento o quanto pôde. Mas não resistiu, afinal. Olhou e viu que nada mudou. Nada, nada tinha mudado desde tantos anos, desde sempre. E Joaquim continuava a ser o entendedor de todas as suas entrelinhas. Na mesa, o silêncio dos dois incomodava Miriam. Ela sabia bem daquele diálogo. Miriam tratava de cuidar que Joaquim não ficasse só. Por qualquer motivo, tomava logo a palavra, tirando-lhe o foco da velha amiga. Catarina também, não insistiu. Não queria nenhum tipo de constrangimento ou culpa para si. Dançou, divertiu-se a festa toda. Cumprimentou a todos e cumpriu ‘a risca fazer a social e ser a mais agradável possível. Contudo, não pode evitar dançar com Joaquim. Catou-lhe o braço em uma música nada suspeita. Sem letra romântica, nem nada que pudesse criar um clima e levá-los ao pecado. Joaquim sabia o tempo que tinha com ela. Tinha dois minutos para sugar-lhe toda a água, matar toda a saudade de tê-la nos braços, dizer-lhe com suas mãos grossas o quanto ele sentia sua falta, o quanto ele ainda a amava, o quanto ele sempre a tivera amado. Joaquim, entendedor das coisas de Catarina, disse tudo isso em breves dois minutos. E ela entendeu – cada palavra em suas mãos e no roçar de seu rosto.
Ao fim da festa, dividiam-se as caronas em caravanas. Joaquim, indisposto, se recusava a fazer as vezes. Não queria levar ninguém, pois morava mais afastado da cidade. Pediu que Catarina e Ricardo levassem seus convidados. Como eram muitos, Catarina insistiu que Joaquim fizesse aquela gentileza. Ele ainda argumentava quando Catarina, já energica, disse: “Será que vocè pode fazer caridade?” Joaquim, de pronto, acatou. Miriam ficava pasma perante a obediencia dele ‘a voz de Catarina. Ela conseguia coisas como amiga que, como esposa, nunca alcançara. Miriam não tinha voz com o marido, nem nunca teve. Sabia que Catarina tinha força com seu marido, mas nunca tinha participado de um diálogo como esse antes. Miriam lançou um olhar espantado para Catarina, quem preferiu ignorar.
Caravanas feitas, Catarina foi tomar um café. Joaquim passou por trás dela e lhe deu uma sova ardida nas costas, na parte nua do vestido. Ela: “ Delicado...” ele: “Amor da minha vida” e riu. Um riso discreto e afirmativo. Ela riu também, olhando para a mesa. Não quis mais olhar para ele. E pensou: “Como pode ser? Já se passaram tantos e tantos anos! Será? “ E a duvida pairava mesmo. Até que, por fim, nos beijos de despedida, Joaquim rouba-lhe um beijo dos lábios, muito rápido e sorrateiro. Depois vira e vai embora. Ao seu beijo, seguiu o abraço simples e nada acalorado de Miriam.
Catarina pegou no braço de Ricardo, e foi embora com a sua caravana, pensando em como ela teve coragem para ter sua vida, e como Joaquim, até hoje, não pòde seguir seus prórpios conselhos. Como Joaquim pôde ter escolhido essa vida mediocre e ficar com Miriam, num dos relacionamentos mais egoistas possivel ao ser humano – onde um vive das migalhas do amor de um segundo a outrem.

Um comentário:

A Palavra Mágica disse...

Cris,

Onde eu compro esse livro? rs

Texto cativante. Parabéns!

Beijos
Alcides